De 5 para 6 junho ensaio visual «One Last Longing», de Henrique Pavão será apresentado on-line

Cruzamento disciplinar
De 5 para 6 junho ensaio visual «One Last Longing», de Henrique Pavão será apresentado on-line

Henrique Pavão

Sinopse:
Este é um ensaio visual para a revista Wrong Wrong, a convite da Sandra Vieira Jürgens.
Este ensaio é composto por um texto e um teaser de um novo video, desenvolvidos durante o período de quarentena.
"Deitado no sofá, falo como se ninguém me pudesse ouvir. Pergunto-me porque razão a maioria das minhas referências são masculinas. Talvez seja apenas uma maneira de te substituir; afinal, nunca estiveste completamente lá. Ou estiveste? Talvez. Talvez como Clark Kent, ou algum outro personagem do mesmo tipo, e isso, de certa forma foi suficiente. A tua inacessibilidade fez-me gostar de ti. Sempre achei que uma substituição fictícia seria a única saída. Vomito-te na minha criatividade de várias formas, construindo universos em que podes habitar, mas onde nunca és visto. Persigo os teus passos nas selvas húmidas, em quartos de hotel sombrios e em ruínas antigas. Gosto de ser visto como tu: uma personagem de um filme que quando visto através do ecrã será sempre o meu preferido – o meu «speed-dating hero». Mas quando o filme salta do projector, tudo desaparece. Sou eu outra vez e a minha solidão persiste. Fico sozinho num cinema vazio – onde as bobines são usadas para nos incinerar.
A caminho do Hotel, famílias dormiam no autocarro. As cortinas parcialmente fechadas. Fracções de verde tinham como banda sonora espadas laser e droids – o novo Star Wars passava numa pequena televisão no volume máximo. Camadas de tempo, luz e cores atingiam a escuridão do autocarro como pancadas secas de um baterista na sua tarola – A Estrela da Morte perfura as antigas selvas Maias. Lembrei-me da história do Matapalo que Pax me tinha contado naquela manhã. Pax é um jovem Maia que usa uma camisola do Liverpool, fuma Lucky Strikes e conhece todas as coisas vivas ou mortas daquela selva. Matapalo é uma árvore doente que abraça uma árvore saudável com os seus ramos sedutores, impedindo-a de crescer para que possa sobreviver.
Agora, sentados no restaurante do Hotel enquanto o sol se põe e engole tudo num tom de laranja que parece saído de um filme de ficção científica, estamos bêbados e contas-me o que aconteceu com o Hart Crane depois de este ter deixado o México. Ele saltou da parte de trás do barco para as hélices e foi completamente cortado em tiras. Um rasto de espuma ensanguentada desenhava uma estrada no mar, como a Calzada de los Muertos, levando a alma de Crane para onde ele a havia perdido.
Disseste que tens de ter muito cuidado quando viajas para o México para não ficares preso nisto – nesta violência inconsciente e perigosa que está sempre à espreita em qualquer pedaço de terra. Está lá, por todo o lado, a tentar agarrar-te, por isso tens de estar sempre alerta. Tinhas razão, o Daniel também. Há no ar algo de muito pesado e estranho, um fumo desconhecido envolve a cidade inteira, até se vêem pessoas de máscara na rua. Esta escuridão atingiu-me como atingiu o Hart Crane.
Estou preso entre quatro paredes apodrecidas; cada volta da ventoinha abre uma racha no tecto. Vejo o Troublemakers repetidamente e leio um capítulo do 2666, em voz alta, todas as noites. Lá fora, os leões patrulham as ruas para que ninguém possa abandonar os seus próprios pensamentos.
«Pousei o Bolaño na mesa de cabeceira e apaguei as luzes.
Minutos depois ouvi vozes, havia alguém na varanda, eram 11 horas da noite e o filho da puta estava a ouvir um programa de rádio qualquer sobre serial killers. Que maneira adorável de adormecer. Isto durou 5 minutos, o tempo de fumar lentamente um cigarro, depois disto caí redondamente numa escuridão imensa...»
Estou a ter sonhos muito estranhos; acordei 4 vezes a meio da noite sem conseguir respirar. Os meus olhos estão cheios de lágrimas que não saem e o fumo enche-me o nariz até chegar ao cérebro.
Estou farto de ti!
Não me interpretes mal, estou-te eternamente grato; afinal, moldaste-me. 
Ensinaste-me como o tempo pode coexistir – que o futuro é apenas o obsoleto ao contrário, em como ver interesse em bombas de gasolina e como os Hotéis podem ser comparados a pirâmides, mas eu sou filho de homem nenhum e aprendi que nunca o serei.
Agora, sinto-me preso num grito distante, uma imensidão de lágrimas, que inundam civilizações antigas.
Bem, que se inundem todas, este é o meu último olhar."
(Este texto foi escrito originalmente em inglês, perto de Vale de Russins, em Maio de 2020)

Bio
Henrique Pavão (Lisboa, 1991) é licenciado em Escultura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa (2013) e obteve o Mestrado em Artes Visuais (MFA) pela Malmö Art Academy (2016 – Professor Joachim Koester). Recebeu bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian (2015) e da Royal Academy of Arts Stockholm (2016). Em 2016 foi galardoado com o Prémio Edstrandska Stiftelsens e nomeado para o Prémio Novo Banco Revelação da Fundação de Serralves. Em 2019, Henrique Pavão foi nomeado para a 13ª edição do Prémio Novos Artistas da Fundação EDP.
Exposições individuais selecionadas:  Apollo (2AM) (2019), Porta 14, Lisboa. Almodôvar Mirror-Site (2019), com curadoria de Sérgio Fazenda Rodrigues, SE8 Gallery, Londres. Now I Became Aged (2018), com curadoria de Sérgio Mah, UMA LULIK__, Lisboa. Unfinished Past (2018), com curadoria de Luiza Teixeira de Freitas, SP Arte - Sector «Solo», São Paulo. antes e depois de antes (2017), com curadoria de Delfim Sardo, Culturgest Porto. Wherever I am not is the Place Where I am Myself (2017), Appleton Square, Lisboa. Fallen Between Cracks (2016), Galeria KHM, Malmö, SE.
Exposições colectivas seleccionadas: Depois do Estouro (2019), com curadoria de Tomás Abreu, Galeria Municipal do Porto. Tomar a Verdade, #1 para 4 (2019) UMA LULIK_, Lisboa. Focus (2019), com curadoria de João Ribas, Metro Toronto Convention Centre, Toronto, CAN. Prémio Novos Artistas da Fundação EDP (2019), com curadoria de Inês Grosso, Sara Antónia Matos e João Silvério, MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, Lisboa. AnoZero’17, Bienal de Coimbra (2017), com curadoria de Delfim Sardo e Luiza Teixeira de Freitas, Coimbra. Edstrandska Stiftelsens Stipendiater (2016), com curadoria de Gertrud Sandqvist, KHM Gallery, Malmö, SE.
O trabalho de Pavão está representado em colecções públicas e privadas em Portugal, na Alemanha e no Canadá. Vive e trabalha em Lisboa. Mais informação: www.henriquepavao.com

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Ficha artistica:
«One Last Longing», 2020, de Henrique Pavão
Vídeo em HD (preto e branco e cor, som, 8'18'')
Composição sonora: João Poppe Toulson 
Com o apoio da DGARTES - Direção-Geral das Artes

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Local, data e hora:
O vídeo completo estará disponível na plataforma http://wrongwrong.net/artigo/one-last-longing
entre as 20:58 do dia 5 de junho e as 06:12 do dia 6 de junho de 2020 (hora de Lisboa) 

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Contactos e mais informações:
henriquespavao@gmail.com
https://henriquepavao.com/ 
http://wrongwrong.net/