"A Origem do Fim do Mundo", 8 setembro, Estufa Fria, Lisboa

Cruzamento disciplinar
"A Origem do Fim do Mundo", 8 setembro, Estufa Fria, Lisboa

© Margarida Pratas 

SINOPSE

Making of # 9_ Margarida Pratas (Portugal)
A ORIGEM DO FIM DO MUNDO

 Galeria Ana Lama alarga a sua comunidade de artistas, integrando, a partir de setembro de 2022, uma programação mensal, com mais 6 artistas internacionais e 4 realizadores _ Num 2º ciclo Fake Extreme Art, dedicado aos processos de pesquisa em torno de uma linguagem interdisciplinar, para a criação de objectos integrados, uma galeria portátil – entre a performance, o vídeo, a literatura e a paisagem.

A primeira performance deste ciclo será de Margarida Pratas, e vai ser realizada num formato de making of. Aqui o registo em vídeo da performance é também um momento com público, um ensaio aberto de uma performance para a câmara. A ação será registada em vídeo na Estufa Fria de Lisboa, sem cortes durante a filmagem; com um público-figurante. Os registos serão editados e preparados – em colaboração com a realizadora Elisabete Magalhães, para serem posteriormente exibidos na website da Galeria Ana Lama.

No próximo evento da Galeria Ana Lama, apresentamos Margarida Pratas, escultora relevante da nova cena artística portuguesa. Sabemos que esta nova cena artística portuguesa aparece em rutura com a geração que a precede no pós-crise económica de 2008 e revela uma relação muito própria dos artistas emergentes com as instituições e as convenções culturais.

Margarida Pratas, numa tradição assumidamente povera, algo ao estilo anos 80, em que supostamente o campo artístico se expande das galerias e museus para uma plasticidade já não normalizada, solta-se da criação de objetos de decoração, talvez pretensiosamente — mais precisamente a partir de 2015, com a arte portuguesa a tornar-se coscuvilheira —, e coscuvilha todos os cantos do mundo… e todas as dimensões sociais.

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Esta neoarte povera de 2015 não se refere à indigência dos meios, mas a uma transformação radical da encenação em arte, em que se revela uma atitude declaradamente provocadora e é abraçada uma redução essencial da experiência estética (entre artista e público, por exemplo), suprimindo-se a mediação do objeto, no caso das artes visuais, ou suprimindo-se o guarda-roupa (no caso do teatro experimental, a maquilhagem e a iluminação). São também utilizados de forma intensiva a expressão corporal dos actores ou o corpo nu. Ressaltam-se, por outro lado, no percurso de Margarida Pratas outras influências, como as de John Cage e Yves Klein.

O impacto de John Cage sobre Margarida Pratas pode ser visto de várias maneiras, todas elas indiretas, e está ligado ao interesse comum que têm pela filosofia oriental, nomeadamente, pelos jogos de azar e o I Ching. Margarida Pratas orienta-se deliberadamente para ideias ou projetos que possam ter um impacto imprevisível sobre ela e sobre o seu fazer artístico. Para que em cada projeto se ofereça uma oportunidade de crescimento. A crença de Yves Klein de que o produto final não era tão importante quanto o processo de fazer arte é algo que já foi reconhecido como uma influência significativa na carga conceptual de Margarida Pratas.

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Margarida Pratas cria espaços de performance «carregados» e por vezes estáticos, que podem ser comparados a lugares designados para o sagrado, sendo de considerar o papel que a energia desempenha na vida das pessoas como compreensão experiencial do espaço, do lugar e do tempo.

As suas performances, muitas das vezes, apresentam o seu corpo solitário entre objetos ou artefactos instalados — se pensarmos no barulhento mundo ocidental, exigente, saturado de imagens e de media, escolher ficar completamente sozinha, por si só, já é um manifesto. Na solidão e no silêncio, os mecanismos e as estruturas que agem para que nos divorciemos de nós mesmos não existem, assim podendo imperar o tédio e a autorreflexão, o que nos deixa expostos e vulneráveis. Nestas condições, o único recurso somos nós: uma perspetiva incómoda para quem não consegue imaginar lidar com tal ambiente livre de estímulos.

O desafio é, portanto, o de deixar as conceções do ego. O sentido de empoderamento obtido através do autocontrolo e da autorreflexão intrínsecos a essas práticas é uma parte do seu processo. A artista observa as práticas sufis como exemplo, nas quais indivíduos giram rapidamente sobre si durante longos períodos de tempo, como meio de entrar num estado de transe e também como um meio de se posicionarem num momento presente mais real.

Para esta performance na Estufa Fria, Margarida Pratas inspira-se, por outro lado, em Gustave Courbet, pintor francês e líder do movimento realista; mais objetivamente, no seu quadro A Origem do Mundo (L’origine du monde), que em tempos puritanos teve tudo para chocar. Representa o sexo e o ventre de uma mulher lascivamente deitada numa simples poltrona. O enquadramento foca a parte da anatomia feminina e o espectador nada mais vê do que o órgão sexual, as coxas e os seios do modelo.

O movimento artístico, a que se chamou Realismo, substituiu os temas grandiosos e heroicos do Romantismo por visões simples do quotidiano e o sentimentalismo pela observação imparcial e objetiva. Evitavam-se as pinceladas intensas e dramáticas dos românticos, preferindo-se os temas claros e precisos, de fácil compreensão, e, em particular, os temas sociais.

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Os pintores realistas — como Gustave Courbet — voltaram-se para a representação das cenas da vida quotidiana e para temáticas populares, muitas vezes impregnadas de ideias políticas. Dizia Courbet: «A pintura é uma arte essencialmente objetiva e consiste na representação das coisas reais, existentes.»

De entre as pinturas que se podem descobrir no Museu de Orsay, A Origem do Mundo será, por certo, uma das mais famosas e virulentas.

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Margarida Pratas irá realizar uma reconstituição da cena do quadro, a que chama A Origem do Fim do Mundo. É de notar que, por coincidência, ou talvez não, Margarida é descendente do pintor Gustave Courbet (1819–1877). A sua avó ainda conheceu Constance Quéniaux, antiga bailarina da Ópera de Paris — a mulher representada no quadro original L’Origine du Monde.

A artista diz-nos que contesta a afronta de encarar o próprio corpo da mulher como uma escultura e considera essa atitude como uma forma de lidar com as «ataraxias» construídas pelo pudor, tendo por vontade repensar as objetificações idílicas do feminino.

O corpo de Margarida Pratas é uma centrale nucléaire de leschatologie et de la provocation, e é por isso que a artista redefine e volta a tentar perceber de que modo a adoração de um tema, no caso, o corpo da mulher tornado imagem, ora castra, ora liberta a sua sexualidade e se rebate diante desse objeto de desejo.

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Enfim, na performance que vai realizar connosco, com reminiscências da obra de Courbet, Margarida Pratas é a mulher enquanto corpo escultórico, objeto de desejo que se cristaliza num lugar ermo, no qual aparece apenas para ser visto.

A ideia desta performance passa pela corrupção do olhar do observador, tornando-o furtivo, ainda que involuntariamente, e partir de um ambiente que facilmente se torna onírico, permeável a fantasias e mitos — tirar/pôr máscaras —, numa atmosfera ambiental verde, aparece como uma presença incómoda. Na Estufa Fria, imersa em natureza, Margarida Pratas vem propor uma aura que declare silêncios e imponha penitências.


O projeto tem o apoio da República Portuguesa - Cultura / Direção-Geral das Artes, o apoio financeiro e logístico da Câmara Municipal de Lisboa e do Polo Cultural das Gaivotas e conta com a parceria de diferentes projetos e instituições da cidade de Lisboa para a cedência pontual de espaços: Estufa Fria; Junta de Freguesia de Arroios; Panorâmico de Monsanto, Junta de Freguesia de Alvalade (Mercado de Alvalade); Faculdade de Belas Artes de Lisboa (Cisterna) e Plataforma P´LA ARTE (Parque de estacionamento do Prata Riverside Village).


FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Margarida Pratas - performance                        
Elisabete Magalhões - realização vídeo
Margarida Chambel e Nuno Oliveira - direção artística e curadoria
Gabriel Marmelo - operador de câmara
Roberto Álvarez - apoio técnico e logístico


LOCAIS, DATAS E HORÁRIOS

8 de setembro de 2022, às 19h30
Estufa Fria

Duração: 60 min 


BILHETEIRA

Entrada Gratuita / com RESERVA


CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA

M/16


MAIS INFORMAÇÕES

www.galeriaanalama.org

 

 

 


O projeto tem o apoio da República Portuguesa - Cultura / Direção-Geral das Artes, o apoio financeiro e logístico da Câmara Municipal de Lisboa e do Polo Cultural das Gaivotas e conta com a parceria de diferentes projetos e instituições da cidade de Lisboa para a cedência pontual de espaços: Estufa Fria; Junta de Freguesia de Arroios; Panorâmico de Monsanto, Junta de Freguesia de Alvalade (Mercado de Alvalade); Faculdade de Belas Artes de Lisboa (Cisterna) e Plataforma P´LA ARTE (Parque de estacionamento do Prata Riverside Village).