"Marionetas Tradicionais De Um País Que Não Existe", pelo Teatro de Ferro, até 29 de outubro, no Porto

Teatro
"Marionetas Tradicionais De Um País Que Não Existe", pelo Teatro de Ferro, até 29 de outubro, no Porto

© Carlota Gandra

Na mais recente criação de Igor Gandra, o Teatro de Ferro “embarca numa viagem imaginária a alguns destinos improváveis da globalização". "Marionetas Tradicionais De Um País Que Não Existe" está em cena hoje, às 21h; amanhã, às 19h; e domingo, às 16h00, no Mosteiro de São Bento da Vitória / TNSJ e integra a Programação do FIMP'17 - Festival Internacional de Marionetas do Porto 2017.

O espetáculo resulta de uma coprodução do Teatro Nacional São João (TNSJ) e do Teatro do Ferro e integra a Programação do FIMP’17 - Festival Internacional de Marionetas do Porto 2017.

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Sinopse:
(Por Igor Gandra / Teatro de Ferro)

Pedimos ajuda aos nossos amigos fantoches. Os fantoches são pau para toda a obra e têm orgulho nisso. Eles ocuparam as mais diversas posições: de mediadores entre humanos e coisas a facilitadores (que por vezes só complicam!) das relações entre os humanos. Eles manifestam-se também como materializações de zonas obscuras e primitivas da nossa mente e do nosso imaginário colectivo. Os bonecos de luva são isto tudo e muito mais. A sua plasticidade manifesta-se na resistência que oferecem a ocupar uma posição perfeitamente estabelecida numa determinada ordem das coisas. É mais uma lição que nos dão. 

Servimo-nos de alguns elementos e ferramentas da marioneta tradicional portuguesa e dos seus irmãos europeus, americanos, africanos e asiáticos para tentar pôr em prática esta forma-nova, ainda não inventada, e que nasceria de um mundo globalizado. A transformação está em curso há umas boas centenas de anos e as dores de crescimento têm sido, por vezes, bem violentas. Os fantoches têm historicamente dado voz (e que voz!) às ansiedades que esta metamorfose tem trazido consigo.

A velocidade a que os humanos, as mercadorias, os capitais financeiros e a informação se deslocam actualmente é a constante a partir da qual esta tradição de um país que não existe se sedimenta – e se consolida no movimento erosivo do mundo globalizado. Este mundo em trânsito é, em muitos aspectos, mais complexo do que o mundo que as tradições marionetísticas conheceram no tempo da sua génese. Neste País Que Não Existe, ponto de partida e destino da nossa viagem, o boneco de luva regressa para nos ajudar a tentar reflectir sobre o lugar que ocupamos – que desejamos ocupar – nessa complexificação. É uma viagem sem lugares marcados. 
Escolhemos iniciar a jornada no sítio onde começam tantas outras. Um aeroporto imaginário. Este espaço-corpo-sistema representa bem o nosso potencial como espécie que domina a técnica, capaz de produzir e de se organizar em grande escala, na medida terrestre, claro. É também o lugar onde podemos observar certas tendências, muitas vezes contraditórias, que ilustram um momento histórico… O aeroporto assemelha-se cada vez mais a uma cidade, também na medida em que as cidades se assemelham cada vez mais a aeroportos. As mesmas lojas, as mesmas lógicas, a mesma relação entre vigilância e hedonismo de baixo custo – entenda-se, de baixo investimento vital.

Turismo & Terrorismo Infinito – a suspensão da presunção de inocência.
De cada vez que entramos num aeroporto, por mais animados que estejamos com a viagem, temos a sensação de que ocorre uma suspensão temporária de um dos pilares do chamado Estado Democrático de Direito. A presunção de inocência – ou seja, a ideia de que, até prova em contrário, somos inocentes – é como que invertida e somos apontados como suspeitos, como culpados potenciais. Recai então sobre o passageiro o ónus de conseguir provar o contrário. O crime de que somos acusados, de cada vez que vamos viajar, embora genérico e até um pouco vago, é monstruoso. É nesta condição legal algo indeterminada e, sobretudo, nesta desconfortável posição intersubjectiva que iniciamos a viagem. Claro que se tivéssemos acesso a um jacto particular, ou se pertencêssemos a determinadas elites, o caso seria diferente. 
Criámos para a peça uma cena a partir do ritual de controlo de bagagens, mas não tentámos reproduzir todo o dispositivo, tratou-se antes de aproveitar alguns aspectos menos evidentes e de transformá-los em jogo, em matéria de cena. Também por isso, importa pois partilhar algumas ideias que se tornaram mais claras ao longo deste processo de criação. 

Proleturistas de todo o mundo, uni-vos!
O dispositivo de controlo de bagagens combina pelo menos três universos que reconhecemos, pela organização dos corpos e dos gestos, dos espaços e das coisas, a saber: o sistema prisional, a fábrica e a caixa do supermercado. Eles são a inspiração mais ou menos consciente para esta espécie de performance quotidiana em que milhões de seres humanos participam a todo o momento. 
O despojamento compulsório (ainda que apenas temporário, na maior parte dos casos) de certos objectos pessoais (artigos de higiene, alguns líquidos perigosos como a água, por exemplo) convoca, sem demasiado esforço de imaginação, a entrada num estabelecimento prisional e a multiplicação dos corpos e das coisas potencia o efeito concentracionário. 
Tendo em conta que uma parte do trabalho é feito “voluntariamente” pelos passageiros e que a equipa é obrigada a lidar de muito perto com a intimidade destes, materializada nos seus objectos pessoais, a relação entre uns e outros é muito ambígua e é aí que residem alguns dos aspectos mais interessantes. O contacto é curto e estranho para todos. 
As bancas com tabuleiros de plástico, os tapetes rolantes que puxam as bagagens para o interior de uma máquina que as vê por dentro, que escrutina o seu conteúdo e a sua estrutura, são, a partir do momento em que os corpos dos viajantes e controladores se movimentam à sua volta, autênticas linhas de (des)montagem. Todos conhecemos a célebre sequência do apertador de parafusos do filme Tempos Modernos, de Charlie Chaplin. Na linha de controlo de bagagens reconhecemos a herança da organização taylorista e fordista do trabalho. Nesta cadeia, é difícil definir o que ali se fabrica. É certo, todavia, que se produz uma certa indefinição entre o que é matéria-prima, trabalho transformador ou objecto manufacturado.
Pela precisão e desapego no gesto, é relativamente fácil distinguir o passageiro-operário frequente do pequeno Charlot eventual. Este último está sempre pronto a esquecer-se de algum detalhe fundamental para a perfeita realização da cerimónia. Ou, pelo contrário, mostra-se tão empenhado em demonstrar a sua aptidão para o serviço na indústria da viagem-em-segurança que acaba por, numa espécie de excesso de zelo, próprio dos aprendizes, expor-se mais do que lhe é pedido, revelando assim o absurdo da situação. Cada linha de montagem tem os seus códigos particulares e nem sempre é fácil perceber até onde nos devemos deixar manipular sem parecermos especialmente ridículos. 
Através da articulação entre os corpos dos actores, as marionetas e os objectos, procurámos explorar no nosso espectáculo esta sensação de estranheza em relação aos próprios gestos. O resultado pode ter tanto de cómico como de inquietante. 

Nesta fábrica de viajantes seguros, os objectos que nos acompanham assumem uma importância diferente. Se, por um lado, são pessoais, por outro, olhando à volta percebemos que, apesar de diferenças mínimas, eles poderiam ser os objectos de qualquer outro viajante.
A linha de controlo de bagagens assemelha-se também à caixa registadora de um supermercado gerido pelas personagens do País das Maravilhas imaginado por Lewis Carroll. Neste comércio disparatado em que participam controladores e controlados, as mercadorias são trazidas de casa, entregues para serem observadas e logo após devolvidas. Ninguém paga nada mas também ninguém recebe troco – o importante é mesmo participar.
Ao sair deste condicionamento, entramos no “verdadeiro” supermercado, onde começamos a descomprimir, acedendo a bebidas alcoólicas, cigarros, chocolates, perfumes, écharpes… e a outros bens de primeiríssima necessidade, também na medida em que, através de um investimento relativamente pequeno, rapidamente recuperamos a condição de consumidor pequeno-burguês, de novo liberto da proletarização, imposta pelo esquema de segurança. Tudo isto a preços “Duty Free”, livres portanto de deveres. A este momento pós-controlo, alguns especialistas em gestão comercial em instalações aeroportuárias escolheram chamar “The Golden Hour”. 
Enjoy your waiting!…
Entretanto, estamos na sala de espera. As expectativas são tão baixas em relação a estes (não?)lugares que só muito raramente são defraudadas. A sala de espera é uma sala de teatro e também se pode dizer que uma sala de teatro é uma sala de espera – aqui, a relação com as expectativas é bem diferente.
A sala de espera é um espaço vazio e um tempo a inventar.

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Ficha artística e técnica:
Encenação, cenografia e marionetas: Igor Gandra
Múica: Michael Nick
Movimento e assistência de encenação: Carla Veloso
Realização plástica: Eduardo Mendes 
Caracterização: Ricardo Graça
Desenho de luz: Mariana Figueroa Teatro de Ferro
Fotografia de cena: Susana Neves
Interpretação: Diogo Martins, Do'ris Marcos, Filipe Moreira, Gisela Matos. Eduardo Mendes, Igor Gandra
Participação especial: Ana Costa, Ana Granja, Ana Queirós, Ana Santos, André Vigário, Catarina Pinto, Daniela Cula, Débora Barreto, Filipa Silva, Maria Lopes, Maria Rocha, Mariana Lamego, Marta Teixeira, Marta Panelas, Matilde Maia, Matilde Maciel Matilde Gandra, Miguel Batista, Rafael Magalhães, Renata Couto,  Ricardo Mascarenhas, Rita Faria Sofia Silva, Sofia Marques (Alunos do 2º Ano de Teatro do Balleteatro Escola Profissional)
Oficina de construção: Eduardo Mendes, Luísa Natário, Bruno Dias (estagiário do curso de Multimédia do ISCE Douro) Daniela Gomes, Carlota Gandra, Nádia Soares (estagiária - Escola Profissional do Centro Juvenil de Campanhã), Américo Castanheira/Tudo Faço
Coprodução: Teatro de Ferro, TNSJ 
Parceria: Balleteatro 
Apoios: República Portuguesa - Cultura / Direção-Geral das Artes, ANA - Aeroportos de Portugal, N Vending, Milinanda Porto, IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional

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Duração:
1h (aproximadamente)

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Público:
Classificação etária: maiores de 16 anos 

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Locais, datas e horários de apresentação: 
Próximas apresentações:
27 de outubro de 2017, às 21h
28 de outubro de 2017, às 19h - Língua Gestual Portuguesa
29 de outubro de 2017, às 16h - Sessão Descontraída 
Mosteiro de São Bento da Vitória, TNSJ
Rua São Bento da Vitória
4050-543 Porto
T. +351 223 401 900

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Bilheteira: 
Bilheteira TNSJ
www.tnsj.pt/home/bilheteira.php?intid=14&intsubid=34

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Contactos:
Teatro de Ferro 
Travessa da Formiga, 65, Espaço 2
4300-207 Porto 
T. +351 223 700 011 / +351 962 569 656

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Mais informações:
www.teatrodeferro.com 
www.facebook.com/teatrodeferro