"Epopeia das Águas", pela Palmilha Dentada, 11 setembro, n'O Lugar, Porto

Teatro
"Epopeia das Águas", pela Palmilha Dentada, 11 setembro, n'O Lugar, Porto

O Teatro da Palmilha Dentada estreia "Epopeia das Águas", no dia 11 de setembro, n'O Lugar (Travessa das Águas, no Porto). O espetáculo pode ser visto até 5 de outubro, de quinta-feira a domingo, às 19h30.


Uma peça onde os vizinhos têm... ‘(O) Lugar’ 

Palmilha Dentada estreia "Epopeia das Águas" a 11 de setembro

Talvez seja destituído de inusitada ousadia o facto de se poder afirmar que o mais recente trabalho do Teatro da Palmilha Dentada, que a companhia sediada n’o Lugar, sito à Travessa das Águas, no Porto, vai levar à cena a partir do próximo dia 11 de setembro (às 19h30), possa constituir um arquivo [muito] vivo para a memória do presente, pois que ‘a memória do futuro’ é sempre uma incógnita, quiçá para outras peças. É, desde logo, um trabalho com quem habita o local, que chama para o núcleo da obra os vizinhos. E, nesta perspetiva, bem pode dizer-se que a narrativa “a… travessa O Lugar”. O desafio dramatúrgico vai assim apresentar-se ao olhar do público como uma espécie de radiografia da identidade da artéria e, como se vai poder ver até ao dia 5 de outubro, uma verdadeira ‘radiofotografia’ também.

Trata-se de uma peça com a marca d’água (no plural também faz sentido) da Palmilha Dentada. Convocam-se assim para o estrado, evocando jornadas épicas e míticas, tendo como protagonistas os “Flúvios, povo do Bonfim, terra de Dragões e dos homens que comem tripas (as hostes da ‘dupla’ Travessa).” 

E diz-se também que esse povo indómito, os Flúvios, “habitaram uma travessa de águas tão revoltas que as moradas afastaram e as gentes separavam”. Tudo isto acontece ‘numa era anterior’ às obras, a intervenção urbanística que veio transformar a rua: retirou-lhe os paralelos, engordou os passeios para medidas bem mais generosas e suprimiu muito do trânsito que ali passava, isto para além de acabar com o estacionamento junto às portas. Hoje há bancos espaçosos de granito junto às entradas das casas e os moradores da Travessa das Águas conseguem encontrar-se e conviver com mais calma, no sítio onde se constrói a verdadeira identidade das cidades: o espaço público. Porque as cidades são, na mais extensa e na mais pequena das suas medidas, as pessoas que nela habitam.

O trabalho da Palmilha Dentada para este projeto pauta-se, naturalmente, por bem mais que uma observação participante na pesquisa para esta nova criação cénico-dramatúrgica, afinal a companhia instalou-se na Travessa das Águas e inaugurou O Lugar em 2021, um saldo de convivência muito próxima com a vizinhança que perfaz 4 anos de existência em novembro. E desde o inicio, ‘O Lugar’ se sentiu em casa na Travessa, a partilhar as mesmas coordenadas com os outros habitantes num sítio tão seguro e acolhedor.

Nessa demanda estrutural para a criação da peça foi fundamental falar com os vizinhos, entrevistá-los e ir buscar as memórias e vivências, afinal o verdadeiro cimento armado da dramaturgia. Foi a pensar nisso mesmo que Rodrigo Santos - um dos “engenheiros dramatúrgicos” da peça, também ao leme da encenação, conjuntamente com Ivo Bastos, com quem partilha também a interpretação e Ricardo Alves, figura que completa esta espécie de “[Santíssima] Trindade Teatral” da Palmilha Dentada – deu asas à ideia de avançar com o espetáculo: “Fomos motivados a pensar em fazer alguma coisa que desse a conhecer os moradores, afinal são eles quem habita a rua. E, por outro lado, pensar a rua também em termos emocionais, o seu pulsar em termos do ambiente que nela se vive. Isto obrigou-nos a levantar questões, como por exemplo... Como é que se sente quem vive aqui? E quem trabalha aqui? Quem a atravessa?”, eis o ponto de partida para que a materialização da vontade se convertesse num espetáculo, segundo o criador, encenador e intérprete.

E foi nesta linha de reflexão que o desejo inicial, portanto na génese criativa, apostou numa tipologia de teatro de feição mais popular. Mas, como sublinha Rodrigo Santos, “O interesse foi pôr em evidência, sublinhar, uma dramaturgia que reflita a comunidade e que fica para a comunidade.” A ênfase da dinâmica de pesquisa e interação com as pessoas da comunidade, o ecossistema pessoas-rua, e o trabalho aprofundado in loco fez sobressair a importância da interrogação: “Como é que a arquitetura, o urbanismo de uma rua acaba por definir as cidades?”

Importa também salientar, ou dar mais ênfase ao papel do diálogo e da convivência social das ruas, como motor de Democracia. Em contexto de uma ascensão da extrema direita, a questão da necessidade de aceitação e integração da diferença, como catalizador do pluralismo, é uma das questões que  também convém salientar. 

Quem for ver “Epopeia das Águas” vai por certo e sem presunção ficar com boas dicas para uma resposta a esta e outras questões suscitadas pelo tema e conteúdo da peça. O espetáculo pode ser visto de quinta a domingo às 19h30, até ao dia 5 de outubro.
Numa relação complementar e indissociável com a peça há uma mostra constituída por placas fotográficas de grande porte, que inclui, para além das imagens dos vizinhos/moradores da Travessa das Águas que participaram, também alguns dados sobre os mesmos e legendas-testemunhos.

O lugar do Outro

Vai ser lançada uma open call, em meados de setembro, que visa dar continuidade ao projeto "O Lugar do Outro", iniciado em 2021, e que consiste em assegurar espaço de programação a outras companhias e grupos de teatro cuja escassez de salas de apresentação de espetáculos no Porto limitem a fruição pública de trabalhos teatrais. A open call decorrerá até dezembro. Privilegiam-se grupos formados e sediados no Porto, mas a proposta está longe de ser hermética e está aberta às companhias de outras regiões. Na próxima terça-feira, dia 9 de setembro, pelas 15h00, decorrerá um "Ensaio de Imprensa", n'O Lugar, sito à Travessa das Águas nº 125, no Porto. 


LOCAIS, DATAS E HORÁRIOS

11 de setembro 2025 a 5 de outubro 2025
O Lugar
Travessa das Águas
Porto


FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Texto: Rodrigo Santos
Encenação: Rodrigo Santos com Ivo Bastos e Ricardo Alves 
Interpretação: Ivo Bastos e Rodrigo Santos 
Direcção plástica e desenho luz: Ricardo Alves
Música original e sonoplastia: Rodrigo Santos
Tema “A marcha da Travessa”: Carlos Adolfo
Os vizinhos:
Ana Ferreira
António e Luísa
Aurora Brito
Carminda Oliveira
Celeste Osório
Família Pinto da Cruz
Florinda Mesquita
Henrique Gomes
Ilda Soares
Isabel Mourinho
João Lopes
Margarida Santos
Paula Esteves
Pedro Lage
Apoio à construção cenográfica: Emanuel Santos e Dário Pais
Design placa de rua "Epopeia das Águas": Bruna Fortuna
Design exposição "Os Flúvios": Alexandra Silva
Produção: Helena Fortuna
Apoio: Junta de Freguesia do Bonfim/Câmara Municipal do Porto


CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA

M/14
 

 


Apoio: República Portuguesa - Cultura, Juventude e Desporto / Direção-Geral das Artes