Galeria Ana Lama - Fake Extreme Art, pela OPÁ – Associação, 29 novembro, Estufa Fria de Lisboa

Artes visuais
Galeria Ana Lama - Fake Extreme Art, pela OPÁ – Associação, 29 novembro, Estufa Fria de Lisboa

Curadoria por Ana Lama

«Quem fará a história das lágrimas?» será a próxima performance apresentada pelo artista visual e performer Filippos Tsitsopoulos, uma ação que tem como cenário a Estufa Fria de Lisboa. Esta peça combina a presença física do artista com uma projeção de vídeo captada em tempo real pelo realizador Gabriel Marmelo.

Convidamos o público a participar nesta experiência, que terá lugar ao cair da noite, às 19h30. Num ambiente imersivo em que as plantas e a paisagem assumirão também o papel de protagonistas, cria-se uma narrativa intensificada pela aura noturna deste espaço verde.

Filippos Tsitsopoulos, artista grego que vive entre Atenas, Madrid e Liverpool, é um pensador visual que gosta de misturar o Espírito do Contemporâneo com as Artes do Passado.

Desde 1990, Filippos Tsitsopoulos tem vindo a explorar os limites da performance e da pintura, recorrendo à videoarte, à instalação, à performance e ao teatro experimental. A obra que dele emerge distingue-se por uma investigação contínua da ironia, elemento central na sua prática artística, expressa através do corpo, da voz e do texto.

Filippos cria máscaras extraordinárias feitas de alimentos, peixes, frutos, camarões, lagostas, amarrados ao rosto e ao corpo, que evocam uma espécie de xamanismo tribal. Estes elementos interagem com o seu corpo de uma forma visceral, como um ritual revelador da multiplicidade do rosto humano, desconstruindo-o e reconstituindo-o de formas inesperadas. Às vezes, o seu próprio rosto, pouco manipulado, é a máscara.

Elege a performance como uma arte autónoma, o que, ainda assim, lhe permite posicionar-se perante diferentes possibilidades, que associa, como o uso de componentes do Novo Teatro e do Live Theatre. A sua obra oferece uma perspetiva sobre a história da Literatura e do Teatro, ligando-se com as raízes de várias práticas de uma forma que complexifica as performances, e é inspirada, entre outras coisas, pelo Teatro Nō, do Japão. No entanto, a sua abordagem não é convencional — observa a máscara como uma espécie de taxidermia do passado.

Influenciado também por pinturas como as de Giuseppe Arcimboldo, Tsitsopoulos explora figuras alegóricas e híbridas, propondo uma nova forma de olhar a representação do ser humano.

Esta abordagem crítica também se reflete na prática pedagógica do autor. Desde 2005, ensina no Museu do Prado, em Madrid, onde investiga as dinâmicas e as mecânicas culturais, propondo uma interseção entre Arte e História. Nos workshops que ministra em museus, Filippos não se limita a apresentar uma visão pessoal, criando, isso sim, um espaço de reflexão coletiva em redor do qual o público é convidado a participar ativamente no processo de construção de significados.

A performance a apresentar na Estufa Fria de Lisboa abre um espaço de reflexão sobre a fragilidade humana, questionado a desconexão com a Natureza. As lágrimas, que para Roland Barthes «têm um destinatário incerto», tornam-se o foco desta intervenção. Para Tsitsopoulos, a Arte nunca foi sobre a verdade absoluta, mas sobre o simulacro, sobre uma armadilha para o olhar, sobre o mistério da beleza e da morte. Neste trabalho, o espectador é desafiado a refletir sobre a arquitetura do poder que molda as relações humanas e os ecossistemas.

Ana Lama, enquanto curadora do projeto que leva o seu nome, Galeria Ana Lama, e do ciclo Fake Extreme Art, partilha aqui alguns pensamentos que, numa tarde, enquanto bebia uma cerveja Sagres no Café Central da Graça com um amigo poeta, o Nuno Vieira, a assolaram. Ao longo dessa conversa, discordaram em vários pontos:

Num momento de fraqueza — nenhum dos dois tinha ainda almoçado, já eram duas da tarde e Ana Lama tinha comido apenas umas azeitonas com pão —, a curadora e Nuno Vieira debateram um conceito que consideravam central na obra de Filippos Tsitsopoulos: «a heresia como forma não ofensiva». Ana Lama, com o seu olhar crítico, sugeriu que essa heresia, associada ao tabu do uso de alimentos em performances num mundo onde ainda há tanta fome, não seria uma afronta direta à ortodoxia do politicamente correto, mas sim um questionamento subtil que pretende provocar o espectador de forma delicada.

Para Ana Lama, este tipo de heresia não ofensiva, presente nas peças de Filippos, emerge como uma forma de questionamento sem o peso da ofensa ou a gratuitidade do choque. Não visa a rutura, mas cria um ruído, uma dúvida. O trabalho do artista não opera como uma contradição ética porque não é presunçoso; não procura atacar uma ordem de valores para fundar outra, mas antes desafiar essa ordem com uma leveza filosófica. Assim, com generosidade, dá ao espectador mecanismos que lhe permitem perceber como são concebidas as suas performances. Os elementos e os artefactos que Filippos utiliza — alimentos, vegetais, partes de animais (penas), outros «objetos» (bicos de catos) e matérias vegetais, e os fios de nylon que seguram os elementos ao seu rosto ou corpo —, em vídeo ou ao vivo, são depois retirados em frente ao espectador, e o processo torna-se numa responsabilidade comum.

Nuno Vieira, por sua vez, discordou: «Para mim, a heresia deve provocar e incomodar. A ideia de não ser ofensivo soa quase como evitar o confronto direto com as certezas estabelecidas. O verdadeiro desafio não é fazer perguntas agradáveis, mas questionar as estruturas com radicalidade.»

Ana Lama respondeu: «Não se trata de evitar o conflito, mas de cultivar uma maneira de questionar sem imposições. A verdadeira heresia não é gritar contra as regras, mas expô-las com uma ambiguidade que as torna visíveis, que as faz questionar a própria certeza da sua existência, mas deixando que cada um decida o grau de humilhação que se deve impor à impostura.»

Nuno Vieira contrapôs: «Em arte, é fácil ser-se heresiarca. Mas os artistas, regra geral, ou são demasiado cobardes ou demasiado preguiçosos para se envolverem em polémicas constantemente.» Depois corrigiu: «Por outro lado, ninguém é herético por natureza. Qualquer pessoa que tenha sido considerada herética ao longo da história acreditava, do seu ponto de vista, estar no caminho correto.»

Ana Lama registou que, para si, viver de forma cosmopolita numa democracia deve permitir múltiplas visões das coisas, tantas quantas as pessoas que existem, e, logo, um relativismo do consenso.

Afirma que o pós-humanismo nas ideias implicaria que a ortodoxia da ordem no humano seria a constante negociação plástica. Que a heresia e a ortodoxia no que é a organização das coisas do humano teriam de estar sempre a deslocar-se e a negociar, e também a desumanizar- se, para abarcar outras sensibilidades e outras existências que lhe são simultâneas — animais de estimação, animais selvagens, roupas e artefactos, móveis, vegetais. As traduções e as linguagens estranhas ocorreriam na comunicação com todas estas coisas.

Este debate conduziu à reflexão sobre a relação de Filippos Tsitsopoulos com o pós- humano, uma vez que as suas máscaras transformam a homomorfia. Nuno mostrou-se cético relativamente às filosofias que questionam a natureza humana, ao passo que Ana foi-lhes mais recetiva. Num mundo marcado pela aceleração digital e pela dissolução das fronteiras entre humano e não-humano, o trabalho de Filippos, para Lama, reflete esta tensão, especialmente por via do uso recorrente do vídeo e das redes sociais.

Nuno Vieira admitiu não compreender totalmente esta posição: «A ideia de estarmos em transição para um estado pós-humano parece-me demasiado otimista. O que estamos a viver é a aceleração do desconforto humano, não uma evolução.»

Entretanto, a namorada do Nuno telefonou, a dizer que ele tinha de ir buscar os filhos ao infantário. Saiu a correr.

Ana Lama, sozinha, pôs-se a pensar em voz alta: «Talvez a arte de Tsitsopoulos, com as suas máscaras e performances, não procure a transcendência, mas antes aceite o não-humano e a fragmentação da identidade.»

Ao ouvir-se falar alto no café, sozinha, corou ligeiramente.

O dilema central, aqui, está na falta de tempo para refletir, uma tragédia democrática que a todos afeta, independentemente da posição ideológica de cada qual. As heresias de hoje não procuram ofender diretamente, mas abraçam o ceticismo e a irreverência, frequentemente com uma pitada de egoísmo, sem que assumam grandes riscos.


A Escalada e a Busca da Autenticidade

No campo artístico, a decadência é visível. Ícones como Björk, Patti Smith e Bob Dylan, e outros, ocupam espaços que poderiam ser destinados a artistas mais jovens cujas carreiras são frequentemente interrompidas pela falta de interesse do público ou pela saturação mediática.Isto sou eu, Ana lama, a pensar sozinha. A ideia é um pouco controversa. Os artistas transitam, e certos meios de expressão (como o livro) estão a perder interesse por parte da população em geral, as artes visuais perderam público, os artistas mediáticos circulam e as formas de expressão para as massas acumulam propostas e públicos, capitalizando as ofertas. Para outros, os convites escasseiam.

É por este estado de coisas, de gradientes da exposição em arte, que uma das propostas de arte não institucional de Filippos é: fazer escalada.

Apesar de expor em galerias e museus, ele realiza performances em locais de difícil acesso, exigindo grande resistência física. Filippos executa estas propostas de arte cega, no sentido de serem mantidas em segredo da generalidade do público, porque pode e deseja sentir- se livre do constante stress do meio artístico. Tendo-se isto em conta, natural é que muitas das suas performances não tenham sido vistas.

A escalada, como prática de resistência física, torna-se uma metáfora para a sua procura pela autenticidade e pelo confronto dos limites e com os limites. Para Filippos Tsitsopoulos, escalar sem cordas é um símbolo do desejo de uma experiência pura, sem mediações. Regra geral, Filippos escala assumindo os riscos, sem a segurança das cordas: leva uma mochila, com os seus materiais, e, chegado ao cume de uma montanha, aí realiza uma performance.


A Tragédia em Filippos Tsitsopoulos

Filippos Tsitsopoulos, na qualidade de alpinista (e, vá, pronto, como artista), procura a autossuperação constante, desafiando não apenas os limites físicos, mas também os conceitos de Vida e de Morte. Filippos apanhou um grande susto quando, no último inverno, teve de sobreviver a uma avalancha durante uma expedição na face norte das Mendenhall Towers, no Alasca. Esse momento, que o deixou lesionado por alguns meses, tornou-se um símbolo da sua missão. Ele acreditava que a verdadeira aventura era não ter assistência e que uma escalada e uma ação artística, consumadas na mais pura solidão, não seriam a mesma coisa se alguém estivesse lá para as testemunhar.

Uma tragédia que, felizmente, acabou por não o ser. As operações de busca e salvamento iniciaram-se após um atraso devido ao mau tempo, mas depressa os pilotos dos helicópteros localizaram pegadas e equipamentos perto de uma escarpa. A análise indicava que poderia estar soterrado, mas não foi isso que aconteceu. As buscas tinham sido feitas num local ligeiramente errado.

A arte de Filippos Tsitsopoulos navega por territórios fluidos entre o humano e o não- humano, o biográfico e o histórico. No seu trabalho, a intertextualidade performativa e atemporal cria um espaço de incertezas. Esta intertextualidade implica um passado negociado e uma utopia enquanto futuro no campo do impossível — e também a exploração da autobiografia, que se mistura com inúmeras referências, da Pintura ao Teatro. Filippos usa pautas mutáveis entre autores (por exemplo, quando, numa das suas performances, se assume como Jan Kott, ativista político, teórico do teatro e crítico polaco, que escreveu o influente volume Shakespeare, Our Contemporary [1964]). Assume-se como um outro Jan Kott, ele próprio já um camaleão — Jan Kott surge como uma marca autobiográfica nos livros que escreve, dedicados à crítica de grandes autores de teatro.

Em Tsitsopoulos, há esta ambivalência — o seu trabalho oscila entre pautas de interpretação e passagens de testemunho de autenticidades ou entre mutações de valores coletivos em Arte e um certo território flexível.

A amizade fantasma entre as pessoas obcecadas com o fazer artístico implica que uma pauta de outro autor, a imersão numa pesquisa assumida de valores partilhados e íntimos, seja uma autoralidade despersonalizada.

A sua prática, seja nas montanhas ou à frente do público, continua a desafiar e a expandir os limites do possível.

Minibio do Realizador Gabriel Marmelo

Gabriel Marmelo tem desenvolvido trabalho como realizador, editor de imagem e técnico de audiovisuais, e tem projetos artísticos na área multimédia, produzindo conteúdos para diferentes plataformas (cinema, TV, web, espaços expositivos).

Aborda o cruzamento de diferentes territórios imagéticos, explorando os limites entre os conceitos de live cinema, videoarte, videoperformance e vjing. (Des)compõe, nos seus projectos, falsas simbioses visuais baseadas em estéticas de rutura.


FICHA TÉCNICA E ARTÍSTICA

PERFORMANCE: Filippos Tsitsopoulos
CURADORIA: Nuno Oliveira e Margarida Chambel
REALIZAÇÃO VÍDEO: Gabriel Marmelo
APOIO TÉCNICO: Isabel Simões
APOIO VÍDEO E COMUNICAÇÃO: Gabriel Marmelo
APOIO COMUNICAÇÃO: Luísa Morante, Teresa Melo
FOTOGRAFIA: Stratos Ntontsis
REVISÃO DE TEXTO: Joaquim E. Oliveira
APOIOS: República Portuguesa - Cultura / Direção-Geral das Artes; Câmara Municipal de Lisboa; Polo Cultural das Gaivotas; Estufa Fria de Lisboa.


LOCAIS, DATAS E HORÁRIOS 

29 de novembro 2024, 19h30
Estufa Fria de Lisboa


Performance de Filippos Tsisopoulos (Grécia)
Realizador _ Gabriel Marmelo
QUEM FARÁ A HISTÓRIA DAS LÁGRIMAS?
Entrada livre Lotação limitada.
Reservas: galeriaanalama@gmail.com


 

CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA

M/16


MAIS INFORMAÇÕES

www.galeriaanalama.org