STILL_24, performance de Anja Ibsch (ciclo FEA - Fake Extreme Art), 18 janeiro, Lisboa

Brian McCorkle
DESCRIÇÃO:
Apresentamos a performance STILL_24, de Anja Ibsch, em Lisboa, integrada no ciclo FEA (Fake Extreme Art).
Anja Ibsch tem desenvolvido trabalho como artista e curadora nas áreas da performance e da instalação desde 1993. Explora uma dimensão que para si é sempre nova: uma dimensão em que o corpo humano está realmente integrado num ambiente. As suas performances contêm aspetos autobiográficos, mas também culturais e sociais. Frequentemente inspirada em mitos de santidade, sacrifício e libertação, a artista alemã enfatiza e expande as conexões entre o seu corpo e a terra, testando os limites físicos de tensão e tolerância. Entre os atos mais marcantes destacam-se a ingestão de pó, a transformação da pele em terreno de nidificação para vermes e deixar gelo derreter sobre os olhos.
A abordagem artística de Ibsch adapta-se a cada contexto, respondendo às especificidades do espaço e da circunstância em que atua.
O crítico Paul Hudson, especializado em Artes Visuais e Performance, afirma que, nas suas instalações acionadas, na génese dos processos de Anja Ibsch, há uma exacerbação tal do momento interior que a própria subjetividade entra em crise.
«Isso faz com que quem contempla uma performance sua entre no espírito da catarse e procure um novo equilíbrio, equilíbrio trazido pela recuperação dos objetos não ao nível psicológico, mas na esfera da sua própria e irredutível realidade. Falamos do contraste entre o seu corpo e a matéria, muitas vezes criando situações com objetos invulgares encontrados ou provenientes de antiquários, que se organizam numa dimensão instalativa.»
Para Hudson, trata-se de um salto do psicológico para o metafísico. Vê também, nas ações da autora, exemplos das crises no seio das artes visuais: a crise da personagem-ego como produtor autor de objetos, refletindo sobre a ideia do artista enquanto marca ou logótipo, cunho de um produtor complexo de objetos.
Uma crise cujas contradições já não se resolvem no casulo intimista; já não existe autobiografia como identidade do produto, mas sim a procura consciente de um supraindividual expandido que pode ou não estar oculto: a crise dessa narrativa.
As performances de Anja I. são permeadas por uma semântica poética do uso simbiótico entre corpo e objetos, caracterizada por um estilo ensaístico e autoindagador.
Anja Ibsch também escreveu até 2005, tendo editado dez livros. Na Alemanha, foi comparada a Clarice Lispector. Sobreviveu a uma tentativa de assassinato, num caso em que três colegas, escritores da mesma editora, desapareceram de forma estranha. Tratava-se de uma editora que estava a dar os primeiros passos, e Anja Ibsch era a quarta e mais recente aquisição da casa. Mais tarde, veio a saber-se que os três jovens escritores foram assassinados pela própria editora, que esperava especular com o valor económico futuro das suas obras. Por força do trauma, Anja Ibsch deixou de escrever e passou a dedicar-se exclusivamente à performance. Este caso foi amplamente divulgado na Alemanha e internacionalmente. A editora responsável pelos crimes foi condenada a prisão perpétua.
A curadora Ana Lama, pioneira deste projeto dedicado à programação de performance — e que, no momento, está de costas viradas para a organização —, continua a utilizar este espaço de divulgação das performances não para nos ajudar com textos informativos sobre os eventos, mas para divagar, escrevendo mais sobre as suas próprias ideias. Ao fazê-lo, perde o foco, e, como aconteceu noutras ocasiões, tivemos de cancelar o seu texto e de o substituir.
Ana Lama explora a arte da divulgação de eventos e utiliza, de forma subtil, esse espaço para promover ideias de terceiros.
Infelizmente, Ana Lama continua a criar problemas à nossa organização, e este não será o melhor espaço para o comentar, mas talvez, apesar de descabido, falar destas cenas possa fazer florescer em nós uma dimensão romântica e apaixonada ao redor da montagem de eventos de arte.
O texto que Ana Lama nos queria impor desta vez criava uma oposição entre a artista Anja Ibsch, a sua prática, e as ideias de Ana Lama.
Para Ana Lama, fazer arte é, essencialmente, discutir o tema da ficção hoje: a crise no seio da imaginação, as reticências e os avisos à navegação da ficção, com o advento das fake news, por exemplo. A dimensão coletiva e plástica da ficção, argumenta, deve ser explorada dentro de limites aceitáveis, num gesto poético e artístico que problematize as próprias fronteiras da ficção.
Desanca nas coisas em si. Se vê uma pintura ou uma escultura, ou uma música fora do normal, por exemplo, diz que a maioria das coisas que designamos como arte não passam de brinquedos um pouco mais abstratos que os utensílios de cozinha ou as ferramentas. Servem para que adultos que se acham ainda crianças aprendam a manusear objetos realmente funcionais a partir do jogo lúdico com os «proto-objetos» — as obras de arte.
Diz também que o ponto do utilitarismo e o ponto do abstrato já estão vistos, como dois extremos que vivem na contradição de se saberem diferentes. É uma diferença presumida, quase protocolar, e que essa condição não tem piada, deprime.
Em função disso, a presunção de que algo é arte deve ser evitada, de forma que o problema da própria arte possa tornar-se efetivo.
Os elementos abstratos usados de forma abstrata tornam-se confusos. Assim como os elementos não artísticos e objetivos, ou utilitários, usados de forma utilitária, que isto também é desnecessário.
Por causa desta perspetiva, Ana Lama está em rota de colisão com a organização que ajudou a fundar. O seu desdém quotidiano pelo mundo da arte tornou a convivência insustentável. Anja Ibsch acabou por ter de assistir, num jantar, a uma destas discussões, que evidenciou o afastamento da curadora em relação aos assuntos da arte.
Na sua crítica, Ana Lama refere que as próprias performances que deveriam questionar a vida subjetiva se limitam a arranhar a superfície. Propõe que, em vez da criação de objetos ou da provocação dos tabus, a arte se deveria situar num espaço intermédio, num lugar onde o próprio ato de questionar é questionado.
E interroga-se sobre se temos o direito ilimitado de ficcionar, se será possível que algumas pessoas se tornem especialistas na imaginação e, se assim for, para que serve isso. Dando o exemplo da performance, afirma que, muitas vezes, esta é feita em espaços públicos onde o nosso espaço íntimo é apropriado por um artista que, sem dúvida, adquire muito mais liberdade do que nós, como utilizadores condicionados desse espaço público.
Sugere que o ato de questionar a evidência das coisas — a sua função e a sua presença objetiva — seria um exercício mais radical e esclarecedor se acabasse de uma vez por todas com todas as formas de arte. Diz que este ato, que hipoteticamente poderia ser executado por via de um acordo coletivo, não deve ser meramente lúdico — ela acha que os problemas levantados pela arte precisariam de voltar a ser «sanguíneos», uma questão de vida ou morte.
Que, depois do desaparecimento da arte, poderíamos pensar num novo ato que refletisse sobre para que servem a ficção e a imaginação, mas que fosse algo dramático, como a fome, de forma que a nossa existência dependesse, de maneira espetacular, de nos questionarmos sobre isso, de nos questionarmos sobre o porquê da ficção e da imaginação.
Em uníssono, nós, da organização, perguntámos «Ó Ana, dá lá um exemplo disso» ao jantar. Ela olhou para um lado e para o outro, e olhou para um lado e para o outro, mas não disse nada.
Questionou e barafustou, perguntando sobre qual é, afinal, o perigo, qual era o perigo existencial com o qual nos deparamos quando vemos arte. Disse mais algumas coisas. Parece que espirrou, não se percebeu bem, e abandonou-nos.
Anja Ibsch apresentou as suas performances em países tão diferentes como a Índia, a Tunísia, a Tailândia, e fê-lo também um pouco por toda a Europa, em alguns dos principais festivais internacionais — Serendipity Arts Festival, Goa, Índia; Fado, Toronto, Canadá; ou o Acción!05MAD, Madrid, Espanha. Desde 2022, faz a curadoria do Projeto Buch Apotheke, em Berlim, Alemanha.
Ibsch refere que a sua prática artística não é apenas comunicação, mas uma interação íntima e primitiva com o espaço e com o outro, uma espécie de «pensar com as células». Ao criar, Anja revela o conhecimento implícito e silencioso que reside além do racional, acedido pela intuição e pela experiência sensorial direta.
Para Ibsch, o fazer da performance é «mais do que criar objetos ou narrativas, um ato radical de estar no mundo, de transcender as certezas e entrar no indizível. Uma dança com o desconhecido na qual o próprio corpo se torna tanto o questionador como o questionado».
A performance marcada para o dia 18 de janeiro nos Jardins do Bombarda, promete ser uma intervenção em que o corpo da artista se fundirá com o espaço numa interação profundamente física e conceptual. O registo de vídeo e a posterior edição de uma videoperformance estarão a cargo do realizador Afonso Brito.
Minibio do realizador
Afonso Silva de Brito (Santarém, 1989) é um artista cujo trabalho transita entre o cinema, o vídeo, o teatro, a performance, a escrita e o desenho. Licenciado em Cinema pela Universidade da Beira Interior e pós-graduado em Desenvolvimento de Projeto Cinematográfico pela Escola Superior de Teatro e Cinema, foi diretor de fotografia em projetos finais académicos tanto em contexto de licenciatura como de pós-graduação. Tem vindo a realizar obras independentes de ficção, documentário e docuficção. Foi autor e intérprete de uma performance e fez teatro como ator. Editou episódios de programas televisivos como Estou nas Tintas (2016) e Ruas com História e Memória (2018), ambos produzidos para a RTP2. Tem trabalhado, acima de tudo, como videógrafo fazendo diferentes serviços e colaborações em variados contextos, do artístico ao institucional.
PERFORMANCE: Anja Ibsch
CURADORIA: Nuno Oliveira e Margarida Chambel
REALIZAÇÃO VÍDEO: Afonso Brito
APOIO TÉCNICO: Isabel Simões
APOIO VÍDEO E COMUNICAÇÃO: Gabriel Marmelo
FOTOGRAFIA: Stratos Ntontsis
APOIO COMUNICAÇÃO: Luísa Morante, Teresa Melo
REVISÃO DE TEXTO: Joaquim E. Oliveira
TRADUÇÃO: Maia Horta
APOIOS: República Portuguesa - Cultura DGARTES; Câmara Municipal de Lisboa; Polo Cultural das Gaivotas; Largo Residências, Jardins do Bombarda
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LOCAIS, DATAS E HORÁRIOS DE APRESENTAÇÃO:
Jardins do Bombarda
18 de janeiro, 2025
16h00
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INFORMAÇÕES SOBRE BILHETEIRA:
Entrada livre
Lotação limitada.
Reservas: galeriaanalama@gmail.com
M/16
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LINK PARA SITE:
https://www.galeriaanalama.org/ (Site em atualização)